Sentou-se na estação, uma estação sem comboios, sem pessoas, sem viagens…Ela sentou-se…Estaria à espera da viagem da sua vida ou apenas a tentar encontrar um local de conforto onde o silêncio exige-se nas alturas de meditação…Viajou pelo tempo e pelo espaço na procura do reencontro…Os locais de passagem sempre foram inspiradores e ela como exploradora nata adorava sentir que a qualquer momento poderia simplesmente partir…Sem descuidos, sem cautelas, sem demoras usufruindo apenas da sensação de liberdade…A viagem durou horas, a bússola do tempo encaminhou-a para momentos do passado, recordou com alegria o dia em que a mãe lhe ofereceu uns ténis de pano cor de laranja (porque é nas recordações que os pormenores mais se fazem sentir) e como que por memória fotográfica sorriu quando se lembrou do olhar de enternecimento com que a mãe se despediu dela nesse dia… Activista, desde cedo, a mulher de agora, viajou por uma daquelas aulas em que produziu cartazes, com os amiguinhos de escola, por uma das muitas causas em que piamente acreditava… Pensou na importância da convicção na vida adulta e chegou à conclusão que esta faz-se sentir mais em tenra idade… As crianças adoram os ideais e vivem-nos com convicção, embora estes estejam sempre aliados à inocência que tanto caracteriza o nosso lado mais infantil… É inútil tentar deter um sonho a uma criança… E essa criança aliava a inocência a todas as suas ideias, ainda que milimetricamente pequenas comparadas com as ideias de um adulto… Ainda assim, o seu crescimento esteve sempre assente em rígidos costumes… E viajando novamente lembrou o dia em que lhe ensinaram que nunca se deveria tratar ninguém por tu, que o Senhora deveria ser sempre substituído por Senhora Dona e que não se deve tratar ninguém por você, mas sim por Senhor(a). Desde cedo, teve a sorte de ser educada por uma tia que, com muita paciência, a ensinava a fazer contas de somar e subtrair e a ajudava a fazer as cópias mesmo quando ela demorava tardes inteiras para escrever um texto de 2 parágrafos… Efectivamente, ela mais tarde pode compreender que quem mais nos ama é também quem mais nos mostra com alguma rispidez que não vale desistir, que moles são os ovos e que a vida deve ser tratada por tu com a dureza que distingue as pessoas fortes de espírito. Não as pessoas que se deixam levar pela corrente, mas aquelas que utilizam todos os meios existentes para saber lutar contra ela.… Num desses dias de infância, ela, ainda sentada, relembrou as férias que passava em casa dos avós, quando brincava com os frascos de gotas que o avô tão gentilmente lhe concedia… E a colecção de canetas que tinha porque o avô, sempre que arrecadava uma esferográfica nova e diferente, lhe oferecia. Ela ali anestesiada pelo poder do tempo sorriu ao recordar essas férias e percebeu que o verdadeiro valor das coisas não está nelas em si próprias mas sim nas circunstâncias em que as recebemos e nas acções de quem no-las traz. No final desta viagem atribulada ela regressou… A noite tinha tomado conta do tempo e esta menina agora crescida encheu a alma de vida e de cor, esperou o comboio naquela estação, agora apinhada de gente, e regressou!
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