domingo, 24 de abril de 2011




Sentou-se na estação, uma estação sem comboios, sem pessoas, sem viagens…Ela sentou-se…Estaria à espera da viagem da sua vida ou apenas a tentar encontrar um local de conforto onde o silêncio exige-se nas alturas de meditação…Viajou pelo tempo e pelo espaço na procura do reencontro…Os locais de passagem sempre foram inspiradores e ela como exploradora nata adorava sentir que a qualquer momento poderia simplesmente partir…Sem descuidos, sem cautelas, sem demoras usufruindo apenas da sensação de liberdade…A viagem durou horas, a bússola do tempo encaminhou-a para momentos do passado, recordou com alegria o dia em que a mãe lhe ofereceu uns ténis de pano cor de laranja (porque é nas recordações que os pormenores mais se fazem sentir) e como que por memória fotográfica sorriu quando se lembrou do olhar de enternecimento com que a mãe se despediu dela nesse dia… Activista, desde cedo, a mulher de agora, viajou por uma daquelas aulas em que produziu cartazes, com os amiguinhos de escola, por uma das muitas causas em que piamente acreditava… Pensou na importância da convicção na vida adulta e chegou à conclusão que esta faz-se sentir mais em tenra idade… As crianças adoram os ideais e vivem-nos com convicção, embora estes estejam sempre aliados à inocência que tanto caracteriza o nosso lado mais infantil… É inútil tentar deter um sonho a uma criança… E essa criança aliava a inocência a todas as suas ideias, ainda que milimetricamente pequenas comparadas com as ideias de um adulto… Ainda assim, o seu crescimento esteve sempre assente em rígidos costumes… E viajando novamente lembrou o dia em que lhe ensinaram que nunca se deveria tratar ninguém por tu, que o Senhora deveria ser sempre substituído por Senhora Dona e que não se deve tratar ninguém por você, mas sim por Senhor(a). Desde cedo, teve a sorte de ser educada por uma tia que, com muita paciência, a ensinava a fazer contas de somar e subtrair e a ajudava a fazer as cópias mesmo quando ela demorava tardes inteiras para escrever um texto de 2 parágrafos… Efectivamente, ela mais tarde pode compreender que quem mais nos ama é também quem mais nos mostra com alguma rispidez que não vale desistir, que moles são os ovos e que a vida deve ser tratada por tu com a dureza que distingue as pessoas fortes de espírito. Não as pessoas que se deixam levar pela corrente, mas aquelas que utilizam todos os meios existentes para saber lutar contra ela.… Num desses dias de infância, ela, ainda sentada, relembrou as férias que passava em casa dos avós, quando brincava com os frascos de gotas que o avô tão gentilmente lhe concedia… E a colecção de canetas que tinha porque o avô, sempre que arrecadava uma esferográfica nova e diferente, lhe oferecia. Ela ali anestesiada pelo poder do tempo sorriu ao recordar essas férias e percebeu que o verdadeiro valor das coisas não está nelas em si próprias mas sim nas circunstâncias em que as recebemos e nas acções de quem no-las traz. No final desta viagem atribulada ela regressou… A noite tinha tomado conta do tempo e esta menina agora crescida encheu a alma de vida e de cor, esperou o comboio naquela estação, agora apinhada de gente, e regressou!






P.s. Foto publicada no site http://olhares.aeiou.pt/ da autoria de Jéssica Kovari

quinta-feira, 21 de abril de 2011





Hoje olhei novamente através daquela janela daquele grande edifício, aquele que nos ensinou que o tempo é curto e necessário finito e indispensável… Naquele tempo em que eu acreditei que ambos poderíamos lutar contra tudo, a doença, a morte, a indiferença, o desconhecimento, o inesperado e a dor…
Aquele grande e cinzento edifício não mais era um local de tristezas,mas sim de conforto… Naquela altura, ambos tivemos a certeza de que não poderíamos ser melhores do que estávamos a ser naquele momento porque a luta era intensa e dura, daquelas lutas em que sentimos que o nosso coração foi amarrado com mil cordas e que não sentimos espaço sequer para suster a respiração…
O tempo é parco, as vivências intensas e muito dolorosas... A vida ensinou-nos cedo que não vale a pena fugir e ter medo. Ainda assim, continuo a enfrentar com muita cobardia o medo que me percorre o corpo quando sinto que estou a perder alguém que marcou a minha vida de uma forma tão intensa e que me cicatrizou a alma com recordações indispensáveis à minha existência…
Curiosamente continuo a chorar sempre que penso no que vivemos naquele grande edifício cinzento, sempre que penso nas noites passadas no 8º e no 4º andar à espera de uma consolação.
Há pessoas fantásticas, daquelas que de alma têm tudo, que sabem estender a mão, oferecer uma palavra, agradecer uma existência e viver sem receio do que eventualmente poderão vir a perder…
Há pessoas que do pouco que dão, dão muito mais do que algum dia poderíamos pedir… Há pessoas que nos fazem chorar apenas com um simples pensamento… Há pessoas que nos fazem sorrir porque interiormente sabemos que sempre acreditaram em nós…
Há pessoas que sabem amar… Sim amar… Há pessoas que passam pela nossa vida e têm o dom de nos fazer acreditar que querer é poder, que podemos ser mais e melhores...Que do pouco que temos, temos muito, temos mais do que alguns algum dia terão...
Há pessoas que são incapazes de recusar um abraço, guardar uma mágoa ou praticar um acto de insensibilidade de uma forma consciente...
Há pessoas boas, daquelas que transmitem bondade em tudo o que fazem e dizem... Há pessoas que conseguem rapidamente tocar-nos o coração e conhecer-nos a alma com um simples olhar...
Há pessoas que nos desvendam os segredos como quem desenleia um novelo... Há pessoas que nos lêem os pensamentos pelo sorriso e pelas lágrimas...
Tu foste uma delas… Hoje recordei-me de ti e quero deixar-te aqui o meu obrigada por tudo, meu querido! O meu coração terá sempre um lugar para ti...
I wish nothing but the best for you.





P.s. Foto publicada no site http://olhares.aeiou.pt/ da autoria de R de Rien

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Diamonds on the inside



Estou cansada de fantoches, de monocordistas, formatos limitados e retoques mal programados...

Move a perna para aqui, estica o braço até lá, recita mais baixo, pensa mais devagar... Segue para aqui, permanece acolá...



Farta desta fantochada em que reinam as parilisias faciais permanentes... Seguem-me os movimentos, perseguem-me os pensamentos numa ânsia de rotular aquilo que de mais secreto eu escondo...



Como se algum dia fosse possível saberem quantos fios de cabelo tenho, quantas palavras não disse e quantos defeitos faço questão de demonstrar a cada expressão facial, a cada comentário banal... Julgavam que não era feita de carne e numa tentativa frustada de sabotar a minha mente sabotaram também o meu corpo...



E da alma, já nem se fala... Por mais que faça questão de a colocar à prova todos os dias, esta na maior parte das vezes está de quarentena com receio de sofrer uma atípica invasão de propriedade... Numa contradição inexplicável o meu corpo foge da minha alma todos os dias com receio que esta fique obstruida pelo trânsito... Limitações, nada esporádicas, do nosso dia a dia por assim dizer... Só eu sei o quanto a mesma limitação é ampliável... Só eu sei que os refúgios são defesas às inseguranças que o corpo transmite aquele que é o maior segredo de cada corpo... O inviolável segredo dos corpos que, de quando em quando, se conhecem e se interligam nesse joie de vivre qui est l'amour.



Costumava eu dizer que a minha alma era mil vezes maior do que o meu corpo e que se estivesse a mil metros do chão a minha alma estaria certamente mil metros acima do céu... A convicção nem sempre nos faz ver com clareza os caminhos reais que traçamos, os objectivos que alcançamos e as frustrações que nem sempre ultrapassamos, as fragilidades outrora vistas como algo a temer acordam-me os sentidos para as reflexões ideológicas da minha alma.



A certa altura percebi que ao me despojar de tantas vivências abandonei a minha alma num qualquer esconderijo querendo acreditar que a ausência de mim permitiria, também, a ausência dos meus sentidos...



Acreditei que esta não me pediria nunca contas dos meus actos irreflectidos, dos meus pensamentos ingratos, da inconveniência natural à minha natureza, mas a verdade é que o sentimento de alienação encaminhou-me para uma fragilidade tal que me levou a crer que não há cura sem remédio e acalentou-me a alma saber que ser exigente comigo não invalida necessariamente ficar sempre aquém, mas sim além do que EU sou para os outros e não aquém das constatações dos outros em relação a mim... Ser exigente traz frustações, muitas frustações a nós, aos outros, às nossas relações com os outros e principalmente à insegurança que se sente a toda a hora...



Embora tente não consigo imaginar-me sendo de outra maneira, que não esta, que não desta forma, que mesmo não sendo exemplo para ninguém não me deixo tão somente reflectir num espelho semelhante a tantos outros...



Dói-me a alma só de pensar que, apesar de não estar só, sou mesmo só mais uma igual a tantos outros... Sem sal, sem cor e sem sabor... Sem ideias fugazes ou exigências utópicas, sem sonhos, sem dramatismos e sem comparações irracionais... É como comer uma maça sem caroço... Não conseguir distinguir a essência de cada alma é uma perfeita renúncia à nossa própria existência... To be or not to be... That's the question for today, tomorow, always! Enquanto viver deixem-me simplesmente ser eu!









P.s. Foto publicada no site http://olhares.aeiou.pt/ da autoria de R de Rien

domingo, 17 de abril de 2011


Deixa a luz acesa para mim porque eu sinto-me só na emergência do meu ser. Não obstante ainda acredito que estou a um passo de me reinventar na formação do meu eu interior. Sei que ainda está a anos luz do que eu gostaria de ser, mas há algo em mim que me fascina…


Há algo de generoso nas pessoas e nos afectos no verdadeiro sentido da humanidade. Se tudo me fosse permitido, hoje sem dúvida seria o dia ideal para criar uma linha directa até ti e através dela poder partilhar contigo o que mais me deleita no meu crescimento interior.



De facto, tu tinhas razão quando suprimiste as artificialidades do meu ser e me permitiste perceber que o que me eleva não é mais do que a obstinação que sinto todos os dias em pertencer a essa magnifica classe de pessoas que ainda hoje acredita que o segredo da vida reside nos afectos e não no bom ou mau funcionamento das relações…


Ainda poucos descobriram que passam 90% do tempo a impingir aos outros o que gostariam de ter, o que sempre idealizaram, as representações ideológicas de pessoas utópicas que não existem simplesmente porque a ser assim não seriam únicas e especiais… Estariam a contrariar na totalidade o principio da espontaneidade.


E se tu e eu fizéssemos um exercício…Trocaríamos um beijo e um abraço por cada desejo que tivéssemos… Por cada pedido que no passado fizemos a várias pessoas para que fossem de uma ou outra maneira apenas porque assim queríamos que acontecesse como se nós fossemos os verdadeiros mandantes da razão.


Confesso que tenho trocado poucos beijos em contraposição a todos os meus pedidos… Estou em falha até contigo. Será egoísmo ou simplesmente a natureza humana a elevar-se no seu máximo esplendor? A imperfeição não me desagrada na totalidade, faz me sentir viva!


Segredos trocados… quero hoje exprimir te o quão ingrata fui ao longo de todos estes anos e pedir-te desculpa pela minha falta de rectidão e pela minha mania inflexível de analisar constantemente os outros numa ânsia de encontrar algo que em nada se relaciona com eles…


Desculpa-me por não ter sabido amar tantas pessoas ao longo de todos estes anos e mais do que isso por não saber respeitar a diferença, por estar sempre a incutir nos outros aquilo que nem eu própria sei ser para mim…


A verdade é que sem ti não poderia descobrir que ainda é possível apostar na minha redenção, viver a vida com o coração!


Sim… É disso que se trata, descalçar os sapatos que nunca consegui calçar porque simplesmente não me serviam e viver com o coração. Rir e chorar sem a menor contenção e o menor esforço… Partilhar abraços como quem partilha o bom dia matinal e partilhar beijos sempre que algo que, por estar longe do meu alcance, me fosse solicitado.


Achas que é possível ser feliz? Achas que assim é possível que sejamos ambos felizes? Gostava de te poder ligar novamente, achas que a linha directa para o céu está disponível para mim?




P.s. Manda um beijinho grande e um abraço apertado à minha avó, sei que ela está bem e a torcer por mim!




Foto publicada no site http://olhares.aeiou.pt/ da autoria de Figalgo Pedrosa