quinta-feira, 10 de junho de 2010



Hoje, foi um dia como muitos outros, o céu cinzento ameaçava um temporal, mas ele ainda assim ergueu-se.

As pernas trémulas retratavam o mapa geográfico de todas as ruas percorridas ao longo de toda a sua vida… As mãos bonitas, a modos que como alguém disse, um pouco sacerdotais, a aliança a mesma aquela que nunca tirou desde que a sua querida esposa faleceu.
A serenidade é a mesma desde os tempos em que pela primeira vez o vi, o olhar fechado pela visão turva que teima em ficar, a memória única, a sabedoria, a de sempre…

A vida, desde novo ensinou-lhe que para se vencer seria vital lutar…

Nasceu numa freguesia algures na Santa Maria da Feira, terra onde as pessoas pegavam em cadeiras e juntavam-se em tertúlias pela noite dentro, alturas em que o tempo não apagou as vivências que a memória teima em recordar…

Era ainda pequeno quando perdeu a mãe, ficou com três irmãos todos mais novos, era de sangue nobre, filho de um regedor importante na terra, regedor esse que não assumiu o filho por este ser fruto de uma relação extra-conjugal…

Cresceu livre em espírito e nobre em seus ideais, começou a trabalhar numa serralharia como um simples operário até se tornar encarregado de produção, o caminho era sempre feito da mesma forma, os tempos já lá vão, tempos em que o carro era um luxo e a bicicleta era um bem necessário para percorrer mais de 30 km por dia.

Encontrou aos 20 anos a mulher com quem iria estar casado mais de 70 anos, relação edificada com muito esforço e sacrifício. Educou 5 filhos, 3 meninos e 2 meninas, viu crescer netos, bisnetos, viu tristeza alegria, viu desalento, mas nunca desistiu, tem e teve sempre um humor incontornável…

Estendia a mão com a mesma facilidade com que dizia olá…

Homem extremamente social tinha o dom nato de tocar cavaquinho como ninguém, foi condecorado, pertenceu a uma banda musical, pertenceu a um rancho folclórico e ergueu um coreto.

Confessou-me há pouco tempo que para agarrar a mulher que amava casou com a mesma já grávida de 3 meses…

Demorei 23 anos a saber que, apesar de rígido em valores e ideologias, intransigente na educação, gostava de fumar uns cigarrinhos às escondidas, cigarros esses, que comprava avulso. Fumava sempre à saída do trabalho, para que a mulher e os filhos não soubessem, acabou por me confessar que perdeu o vício à custa de uma aposta… À custa de ser um eterno escravo da palavra…

Sim, incutiu-me desde pequena que, para sermos grandes, devemos ser cumpridores da nossa palavra, devemos ser firmes nos ideais e aventureiros nas conquistas…
Tem hoje 92 anos e no rosto as histórias de toda uma vida, a alegria, de longe que, já não é a mesma e as poucas palavras que tardam em chegar reflectem uma solidão imensa…


Hoje, foi um dia como muitos outros, o céu estava cinzento e a noticia não tardava em chegar... O meu querido avô está cansado de lutar…

E eu…. Ah eu…. Sinto-me vazia, oca, distante e impotente…

E hoje, foi um dia como muitos outros, hoje urge pensar!


P.s. Foto publicada em www.olhares.aeiou.pt da autoria de Germina.

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